Episódio 6: Ana, a Floresta Sul e os Protetores das Montanhas


Depois de uma boa caminhada, Ana chegou em sua tenda na direção norte. Ela tinha que comer, tirar um cochilinho e acordar a tempo para ir se encontrar com Sitara na Floresta Sul. Contudo, ao chegar na tenda, ela percebeu que não havia bandeja nenhuma de frutas. 

_ E agora? – falou em voz alta – Será que as irmãs se esqueceram de mim? Que estranho... 

Decidida, Ana resolveu que iria comer no trajeto para o ponto de encontro com Sitara e que não iria descansar na tenda, pois estava com fome. Resolveu levar consigo uma almofada para tirar um cochilo na árvore, assim não haveria perigo de dormir demais e se atrasar. Ana ficou bem feliz com o seu raciocínio e planejamento. Animada para começar o seu percurso, resolveu passar na fonte para tomar água e em seguida se dirigiu para a Floresta Sul. 

Adentrando a floresta, Ana não viu nenhuma árvore frutífera. Tudo estava muito silencioso. Essa floresta era bem diferente das outras, com árvores antigas e de vegetação mais fechada. O cheiro era bem peculiar também e podia sentir uma energia calma e apaziguadora que parecia cair sobre ela como se fosse gotículas de orvalho. 

Num certo momento, Ana parou e andou com cuidado. Cerca de uns dois metros à sua frente, ela avistou dois sapos: “Ainda bem que não estou como mosquita!”, pensou rindo da situação. Se aproximando um pouco mais, Ana percebeu que diante de um sapo havia uma nuvem luminosa de insetos, os quais ele comia. Já diante do outro não havia nada, o sapo simplesmente mantinha-se parado, quieto, parecendo até que estava meditando, tamanha era sua absorção. Ana ficou ali perplexa, se lembrando de algo que Sitara disse quando estava como mosquito sobre as lagartixas não precisarem dela, contrapondo seu medo de ser comida por uma. Ela própria como mosquito tinha sentindo fome de sangue. Na época, contudo, como tudo era muito novo, Ana não refletiu sobre o assunto. Como poderia Bafalândia, um santuário para animais, permitir que os animais comessem uns aos outros? E a regra de não matar? Era somente para os peregrinos? Seria paradoxal um lugar assim, não? 

Ana arriscou se aproximar mais dos sapos, para observar mais de perto a nuvem luminosa de insetos. Então, ela percebeu que os insetos da nuvem luminosa eram feitos de luz, tipo hologramas luminosos de insetos. Se aproximando mais ainda, Ana tentou pegar um mosquito luminoso, que se dissolveu em seus dedos completamente. “Então, cada um aqui como o que lhe é natural, mais a comida não é de fato real? Eles não estão de fato comendo outros seres? Caracas!!!” O coração de Ana ficou repleto de alegria ao perceber aquilo por si mesma. 

Sincronicamente, a imagem de Lush lhe veio à mente nesse momento de descoberta, e Ana se lembrou do que ele tinha dito sobre os seres de Bafalândia irem se purificando ali no amor. Então pensou consigo mesma: “O outro sapo não precisa de comida, ele provavelmente se alimenta da energia de Bafalândia. Caracaaasss! Uauu!! Eu mesmo não tenho comido muito aqui e mesmo comendo, a comida não sai por nenhum lugar... kkkkk Claro que não, Ana! É um sonho! Como posso achar que há algo sólido aqui? Minha mente que vê assim, não é Sitara?” Ana relaxou sua mente e compartilhou com a floresta e aqueles dois sapos, o silêncio. Nesse estado de quietude, ela compreendeu como a compaixão e o amor se manifestava ali de acordo com a necessidade de cada ser, mas ao mesmo tempo invocava um desafio: o de ser mais do que cada ser imaginava ser possível. 

O amor é assim: equânime, mas ao mesmo tempo reflete o que cada um necessita; compassivo como a chama de uma fogueira que aquece, mas ao mesmo tempo estável como o silêncio que permeia tudo. Ana estava imersa nessa natureza com a sua presença, até que essa quietude foi agitada por um som: 

_ Tá pensativa Ana?! Se lembrando dos tempos de mosquitana? – disse Flor do Centro – Você sabia que as libélulas também comem mosquitos?! 

Ana quis quase dá um tapa naquela formiga gigante intrometida, mas se conteve lembrando-se da energia da experiência que tinha acabado de ter. 

_ Conhecendo Bafalândia a partir de Bafalândia, Florzinha! 

_ Humm, que filosófica! Mas já se passaram uma hora, melhor se apressar - e desapareceu como num passe de mágica. 

_ Flor? Eu estou com fome! Flor? – disse Ana sem resposta. 

Vendo que nada acontecia e que inclusive os sapos tinham ido embora, Ana então seguiu em direção à árvore central do campo de flores da Floresta Sul. No caminho, ela se deparou com algo inusitado: um macaco segurando duas bananas olhando para ela de cima de um galho em uma árvore. Por um momento os dois ficaram assim, um olhando para o outro, até que ele, o macaco, desceu da árvore e estendeu seus bracinhos oferecendo as bananas para Ana. 

_Ohh amigo, muito obrigada!! Eu estou como fome mesmo!! Muito obrigada! – E assim que pegou as bananas, o macaco fez um carinho em seu rosto e subiu a árvore desaparecendo entre os galhos. 
Ana seguiu feliz comendo as bananas enquanto caminhava até chegar ao campo de flores da Floresta Sul. Quando ali chegou, ela ficou maravilhada com o lindo ipê amarelo que avistava mais adiante, era a árvore central dessa direção, cercada de flores de todos os tipos e cores. Na direção norte, a árvore era bem diferente, nunca tinha visto antes, pelo menos no Brasil. Mas o ipê já tinha visto, e esse em particular era como se fosse a mãe de todos os ipês, de tão lindo e reluzente que era. A linda árvore se contrastava com o céu azul sem nuvens e no fundo com as montanhas nevadas. Sua mente simplesmente contemplou aquilo tudo, sentindo uma imensa alegria. “Como aqui é tão abundante!! Como seria bom se fosse assim na Terra para todo mundo!” Depois que pensou isso, Ana sentiu uma tristeza ao se lembrar de como os humanos de forma geral se comportavam. 



_ Well, meu ponto de encontro com Sitara está bem ali, vamos lá Ana – falou em voz alta enquanto caminhava com cuidado entre as flores em direção ao ipê. 

Chegando lá, Ana se sentou, colocou a almofada no chão e se deitou para descansar um pouco dormindo quase que imediatamente. Contudo, de repente, ela sentiu uma patinha em seu rosto a despertando do sono. Para sua surpresa, o ratinho amigo estava ali olhando para ela. 

_ Amigoooo! Você voltou?!!! 

O ratinho fez um barulhinho e em seguida saiu correndo, convidando Ana para acompanha-lo. Ela sem pensar saiu correndo atrás dele até que se viu no limite do campo de flores, parando bem ali, enquanto o seu amiguinho prosseguia. 

_ Ei, ratinho fofo, volta aqui! Eu não tenho permissão para ir além daqui. 

O ratinho parou e fez mais barulhinhos. Ana ficou parada pensativa sobre o que fazer. A regra dizia que ela não poderia ir para além da mandala de flores e nem mesmo para as montanhas sem permissão ou desacompanhada. Mas o ratinho estava chamando-a, então logo ela podia ir com ele, pois não estava sozinha. Assim, com essa boa justificativa que deu para si mesma, Ana seguiu o ratinho passando o limite da mandala de flores até chegar ao pé de uma montanha que tinha uma trilha para o alto. O ratinho já estava mais acima, chamando-a para acompanha-lo. Com um frio na barriga, Ana começou a subir também. Depois de uns quinze minutos de subida, ela se deparou com uma casa que tinha como fundo um paredão de pedra. Era a casa de retiros onde estava o sr. Rodrigues, mas Ana não se lembrava disso, pois já tinham se passado alguns dias desde que o conheceu como mosquito. 

A porta da casa estava aberta, meio que a convidando para entrar. Ana sem nenhuma cerimônia entrou e logo sentiu o cheiro de comida. Olhando para a mesa no quarto viu uma bandeja, e se aproximando viu um prato azul turquesa, com arroz, feijão, farofa e uns bolinhos que não identificou do que eram. Além do prato principal, tinha um prato de salada, com folhas verdes, tomate, cenoura ralada e manga. E ainda uma garrafa de azeite e outra de um molho amarelo. 

_ Uaau!!! Deve ser para mim, né? – falou em voz alta. 

A fome já tinha apertado mais e mesmo sabendo que o prato no fundo não era para ela, Ana se convenceu que era, pois estava com fome e havia muito tempo que não comia feijão preto. Então, se sentou e começou a comer com grande satisfação. 

Passado um tempo, Ana ouviu uns passos do lado de fora da casa. Ficou um pouco apreensiva e se levantou. Caminhando em direção à porta, viu pela janela do outro aposento, um homem se sentar para olhar a paisagem. “O sr. Rodrigues!! Ele ainda está aqui?! Afff e agora? Comi a comida dele? Claro né Ana, sua olho grande!... Acho que tenho que me desculpar... Mas não posso me encontrar com ele, né?” Ana ficou paralisada por uns minutos e então decidiu sair da casa com muito cuidado para não fazer barulho, descer a montanha e falar com Sitara sobre o ocorrido, pedindo para ela se desculpar com o sr. Rodrigues. Era o melhor a fazer. 

Assim que percebeu que já estava na trilha, fora do alcance visual do sr. Rodrigues, Ana relaxou mais. “Onde anda aquele ratinho safadinho? Como pode fazer isso comigo? Que danado! Ahh Ana, você também!! A responsabilidade é sua, você não tinha nada que arrumar desculpa para quebrar as regras.” Assim que Ana falou isso, descendo a trilha, sentiu a presença de alguém atrás dela. Ela ficou totalmente paralisada. Era a sensação de uma presença grande, de um fungado atrás de sua cabeça e mesmo tremendo de medo se virou para ver quem era se deparando com ele. Ana gritou e caiu desmaiada. 

_ Ana! Ana! Calma, foi só um sonho – falou Sitara enquanto a acolhia em seus braços. 

Ana acordou um pouco tonta e suando frio. 

_ Eu acabei de ver um dragão nas montanhas. Ele era muito grande e estava me olhando ferozmente, Sitara!! 

_ Ah, um dragão nas montanhas! E o que a senhorita estava fazendo lá? 

Ana ficou corada e rapidamente se defendeu: 

_ Não foi um sonho?! E no sonho, o ratinho me chamou para ir para lá... Mas logo que vi que o sr. Rodrigues estava na cabana, eu saí... Mas como era um sonho, não tem problema, né? 

_ Mas enquanto estava sonhando, você não sabia que era um sonho e mesmo assim foi para as montanhas sem permissão, não foi? 

_Foi isso mesmo... E também comi a comida do sr. Rodrigues no sonho. 

_ Humm – Sitara começou a rir. 

_ Achei que era para mim. 

_ E como poderia ser, se você não estava hospedada na casa de retiros? 

_ Ah, meu estômago decidiu que era para mim – riu Ana envergonhada, mas com cara de sapeca. 

Sitara riu e a abraçou. 

_ Seria bom você refletir sobre isso. 

_ Sim, eu vou. Ele ainda está aqui? 

_ Não, ele já acordou da Terra. 

_ E o dragão? 

_ O que tem ele? 

_ É um protetor das montanhas? 

_Sim. 

_ Eles que levam a comida para os peregrinos que se hospedam naquela casinha? 

_ Sim. 

_ Muito bons cozinheiros!! – disse Ana rindo – Aliás, mesmo sendo um sonho, eu me sinto saciada, como se tivesse realmente comido aquela comida. Engraçado, né?! Como a nossa mente funciona... 

_ Ahh, como você já está muito sabida! Então, por hoje podemos parar por aqui, mocinha! 

_ Como assim? Você não disse para eu vir para cá, pois tinha uma tarefa para mim? 

_ Sim, já foi cumprida. Você está livre para fazer o que quiser... Seguindo as regras, é claro! – riu Sitara abraçando-a. 

Ana ficou sem palavras vendo Sitara se levantar e seguir para o campo de flores leste. Como já era fim de tarde, ficou ali mesmo olhando a paisagem e o céu, sem perceber que o ratinho estava bem juntinho dela, olhando-a com compaixão. 

Continua...


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Notas: