Episódio 4: Ana e o Lush da Floresta Oeste


Ana acordou em sua tenda com o canto dos pássaros. Dormiu profundamente durante a noite e estava se sentindo muito bem disposta. Enquanto sentia a brisa da manhã entrar pelas brechas das cortinas, ficou pensando como será que as irmãs a transportavam para tenda sem que ela acordasse. A bandeja de frutas já estava pronta, enfeitada com flores, e dessa vez tinha também algumas castanhas. Antes de começar a comer, a imagem de Sitara lhe veio forte em sua mente, Ana parou, se conectou com seu coração e disse em pensamentos: “Sitara gostaria muito de falar com você!” 

Depois de um tempo, enquanto estava ali, quieta e atenta, comendo as frutas e as castanhas, Ana ouviu passos de alguém se aproximando. Quando Sitara entrou em sua tenda, Ana não hesitou, correu em sua direção e a abraçou. Enquanto ficou ali por alguns segundos, sentiu uma energia profundamente amorosa, que parecia percorrer todo seu corpo, cada órgão, cada célula... 

Sitara estava vestida em estilo indiano com um tope vermelho e calças verde-folha com detalhes em prata. Tinha uma echarpe num tom prateado fosco feita de um tecido bem leve que não tem correspondência no mundo dito humano. Seus cabelos estavam presos numa longa trança e no meio de sua testa, um pouco acima das sobrancelhas, havia um bindi vermelho. (1) 

Ana ficou olhando para Sitara quando se deu conta que seu vestido tinha mudado outra vez. Agora ele era verde com flores brancas e com a borda da saia em vermelho. 

_ Sitara, porque meu vestido fica mudando de cor? Ahhh Bom dia!! – Ana fez uma carinha serelepe. 

_ Bom dia, Ana. As cores são representações de tendências que você tem limpado aqui. Mas não gostaria de falar sobre isso agora, para não criar muitos conceitos em sua mente. Simplesmente, com base no que falei, observe o que tem se passado em você. Tudo bem? 

_ Sim, tudo bem!! – Ana riu - em outros tempos eu ficaria insistindo e aborrecida por não ter “uma resposta”. 

_ Humm, então já está ocorrendo uma mudança de tendência, não é? 

Ana sorriu um pouco envergonhada, sentia-se como uma criança perto de Sitara. Tudo bem que não era ainda uma adulta, semana que vem faria 18 anos, mas já podia se considerar um pouquinho crescida. Tinha ânsia de sair pelo mundo e ficar longe de sua família que a restringia e protegia tanto. Por isso, queria conhecer seu pai. Sabia que ele não era brasileiro e que sua mãe ficou grávida numa viagem de mochila com as amigas pela América do Sul. Filha de família mineira rica e conservadora, ela teve que arrumar logo um casamento bem sucedido para justificar a gravidez. O padrasto de Ana, apesar de não a tratar mal, era um homem distante, preocupado apenas com seus negócios e com a aparência social, assim como sua mãe. Ana tinha uma irmã, que foi criada com muito mimo e de uma maneira muito diferenciada, pois era considerada calma e dócil, enquanto Ana, “uma menina de gênio forte”. Foi sua tia, Sofia, irmã de sua mãe, quem contou sobre seu verdadeiro pai, quebrando um segredo familiar antigo e criando um rebuliço na família que terminou afastando as irmãs e fazendo com que sua mãe a proibisse de conviver com a tia. 

_ Sitara, Flor do Centro lhe contou sobre minha experiência ontem? 

_ Sim, ela me relatou que você se encontrou com um ratinho e um Jedi – Sitara riu. 

_ Sim, isso mesmo. O ratinho me tirou do estado de letargia e depois me levou para o campo de flores norte onde o Jedi estava meditando debaixo de uma árvore – Ana riu. 

_ O ratinho não é desse lugar, apesar de aparentar ser um animal. Acho que você deve ter uma conexão com ele. Vez ou outra se manifesta aqui, fazendo essas estripulias, mas sempre com uma motivação compassiva. Acho que ele queria que você conhecesse o Jedi e criasse uma conexão com ele – Sitara deu uma piscadinha para Ana. Já o Jedi, na verdade é um iogue, um praticante de meditação com bastante realização. Ele não costuma se manifestar aqui, por isso as irmãs não acreditaram em você. 

_ Mas ele está morto ou vivo? 

_ E o que é está morto ou vivo, Ana? 

_ Quero dizer, ele é como eu que estou viva, ou um espírito, alguém que morreu como humano, entende? 

_ Ele na verdade não está lá e nem cá. 

_ Você me deixa confusa quando fala essas coisas. 

_ É proposital, para sua mente não se fixar no que é ou parece ser. A mente tem essa habilidade de querer colocar tudo dentro de uma caixinha, de nomear, de discriminar as coisas. Isso tem sua utilidade do ponto de vista da sobrevivência humana, mas cria limitações na percepção da realidade. Por isso, tantas discordâncias em seu mundo, não é? 

_ É mesmo, Sitara! E porque eu não posso encontrar outro ser humano aqui, como o sr. Rodrigues? 

_ Para que não haja interferência na vida de vocês em seu mundo. Para que possam tomar decisões por si mesmos e não por que querem encontrar o amigo peregrino. Quando você acordar Ana, você se lembrará de tudo que viveu aqui. No início ficará um pouco confusa, mas logo suas recordações de Bafalândia serão acessadas. Assim como a maioria dos peregrinos que vem aqui, seja para uma estadia maior ou apenas aproveitando o intervalo de seu sono. Há alguns que se lembram de suas experiências parcialmente, mas de modo geral todos se deixam conduzir intuitivamente a partir do que aprenderam e percebem aqui. No caso do sr. Rodrigues, ele é um peregrino que costuma se lembrar de tudo. Acho que por enquanto você já tem bastante informação, não é? 

_ É, acho que está bom, por enquanto – riu Ana abraçando Sitara. 

_ Tenho uma tarefa para você hoje. Você pode fazer no seu tempo e levar o tempo que achar melhor. Quando terminar basta me chamar, como fez hoje. Tudo bem? 

_ Sim, tudo bem. 

_ Você irá explorar a Floresta Oeste de Bafalândia com a mente aberta e presente observando a natureza e os animais. Até o fim do dia, as irmãs não providenciarão alimento para você. Então, se sentir fome, há árvores frutíferas na floresta. Você provavelmente se encontrará com outros seres que não são animais, vai depender do quanto eles se sintam curiosos e atraídos em lhe conhecer. Não tenha medo. Busque simplesmente manter a mente aberta e consciente. Busque sentir e conhecer a floresta e seus habitantes na perspectiva deles. Está bem?! 

_ Está bem, Sitara! Acho que vou gostar desse exercício. 

_ Então... 

Sitara deu um beijo na testa de Ana e saiu da tenda. Ao mesmo tempo, Flor do Centro apareceu e completou. 

_ Se precisar da gente, chame pela Flor do Oeste. 

_ E como vou chama-la? Basta gritar? 

_ Não mesmo – Flor do Centro fez uma cara de desaprovação - Não vá perturbar a floresta com seus gritos escandalosos, mocinha! Você já sabe como fazer - E saiu sem dar mais papo para Ana. 

Ana riu e saiu da tenda em direção à fonte. Queria beber água antes de sua nova aventura... 

A Floresta da Direção Oeste 

Ana entrou na Floresta Oeste buscando seguir as instruções de Sitara: observar com a mente aberta. Então, ela começou caminhando de maneira livre, observando como as árvores eram frondosas como aquelas árvores antigas que parecem tudo saber. Também havia árvores frutíferas e floridas. Parecia que Bafalândia conseguia equilibrar todas as estações ao mesmo tempo, como se não precisasse passar por nenhuma delas em separado, mas todas estivessem presentes de alguma maneira. Ela parou e se sentou no pé de uma árvore enquanto se dava conta de tudo isso. Fechou os olhos e sentiu o ar úmido e fresco, o cheiro da floresta misturado com um perfume que não conseguiu decifrar... 

Ana ficou ali, então, por alguns minutos de olhos fechados nessa experiência meditativa de sentir e ouvir, perceber e receber, sem se dar conta que estava meditando. Então, ela ouviu um som, um som de asas bem perto de si. Quando abriu os olhos, Ana viu uma libélula azul-céu bem perto do seu nariz como se quisesse lidar um beijo. Ana se assustou e retraiu um pouco a cabeça enquanto o inseto também se retraiu para trás. Então, Ana respirou fundo e se permitiu, relaxando completamente. A libélula se aproximou e retraiu várias vezes, enquanto outras de cores variadas apareciam. Em volta delas parecia ter uma áurea de luz dourada, mas foi uma percepção rápida que Ana teve e logo desapareceu. Elas todas faziam o movimento de se aproximar e depois de se retrair, quando Ana ouviu alguém dizer: 

_ Elas estão te autorizando a explorar essa parte da floresta – disse Flor do Oeste. 

_ E o que eu faço, Flor? 

_ Agradeça! 

Ana juntou espontaneamente suas mãos e se inclinou dizendo: 

_ Muito obrigada por me deixar ficar aqui e conhecer a sua casa! 

Rapidamente as libélulas voaram como se estivessem dançando e desapareceram entre as árvores. 

_ Flor, como tudo é tão lindo!! Flor? 

Flor do Oeste já tinha desaparecido também como num passe de mágica. Ana se levantou e começou a explorar mais a floresta. Percebeu que à medida que passava, alguns animais vinham vê-la, como se estivessem curiosos. “Será que eles não estão acostumados com os peregrinos?” (Ana riu quando percebeu que se incluiu como uma peregrina) “Tenho que perguntar sobre isso também: Por que será que nós humanos somos considerados peregrinos?” Um esquilo apareceu e lhe trouxe uma noz, deixou em seus pés e saiu correndo. 

_ Volte aquiii!!! Não vou lhe fazer mal! Que coisa fofa!! Queria te apertar! Obrigada pela noz, amiguinho! 

Ana pegou a noz e começou a rir de si mesma ao imaginar que talvez o esquilo tenha sentido sua intenção de lhe dar um aperto. Voltando a caminhar pela floresta, alguns pássaros começaram a fazer voos rasantes perto dela e um deles cagou em seu braço. Ana observou seu humor se alterar e conseguiu controlar antes de soltar um palavrão, respirou fundo e se acalmou. “Acho que é um teste! Então, Ana fique calma”, disse para si mesma. 

_ Quando um pássaro caga em você quer dizer boa fortuna! 

Ana parou e procurou quem estava falando. Não era nenhuma das irmãs, pois a voz era diferente, num tom masculino aveludado. 

_ Olá! Quem é você? 

_ Não posso aparecer. 

_ Por que não? 

_ Porque sou feio, você vai se assustar. 

_ Vou não. Por favor, apareça! 

Então, ele apareceu, como se surgisse no ar, na forma de um ser que tinha o tamanho de uma criança de dois anos. Tinha a aparência de um homem velho e orelhas pontiagudas, e sua pele era como casca de árvore que tinha sido queimada. Ana se conteve para não demonstrar que se assustou com aparência do pequeno ser da floresta. 

_ O que aconteceu com você? Parece que você se queimou! 

_ A floresta que eu vivia sofreu uma queimada. Eu fui avisar alguns animais e guia-los para fora do perigo, então fui pego. 

_ Mas você está aqui, que é um lugar mágico, por que ainda não se curou? 

_ Porque ainda não perdoei vocês humanos por atarem fogo, por serem tão estúpidos. E porque depois que fui queimado me vinguei de alguns dos homens que fizeram isso, provocando doenças nos filhos deles, doenças na pele. Uma das crianças morreu. Não queria que ela morresse, apesar de muitos dos meus irmãos animais terem morrido. Quando vocês humanos maltratam a natureza, nós, os seres da natureza sutil e os guardiões, sofremos, como se nossas peles estivessem pegando fogo. Então, reagimos causando doenças, pragas e vícios na humanidade. 

_ Nossa!! Nunca imaginei isso. Como é triste! Mas fico pensando que se não respeitamos o que vemos, e nem a nós mesmos, imagina o que não vemos... 

Ana parou um pouco para se dá conta do que tinha acabado de falar. Parecia que uma nova consciência das coisas estava imbuída em cada palavra que disse. Então, olhou para seu novo amigo e perguntou: 

_ Mas como você veio parar aqui? 

_ Como minhas forças já estavam minadas por causa das queimaduras e por causa da minha vingança, terminei morrendo. Eu imaginei que iria para algum tipo de inferno holográfico porque estava aprisionado em minha raiva e ideia de vingança, quando ouvi o canto de um homem. Tentei ver quem ele era, mas de início não consegui, pois fui sendo puxado por uma energia, que parecia que estava me tirando de mim mesmo, digo, daquele corpo morto. Depois vi o céu se expandir num azul sem nuvens, minha consciência parecia estar solta, tive medo de tanta liberdade. Logo em seguida, vi a imagem de um xamã, em volta dele, num tamanho menor, seres de luz meditando. Conectados a esses seres, vi imagens de humanos, todos fazendo suas preces e meditações, deles saiam uma energia muito amorosa e interligada, apesar de parecerem que estavam em lugares e tempos diferentes uns dos outros. 

O gnomo (2) parou para enxugar suas lágrimas e ganhar fôlego. 



_ Foi quando me lembrei de que há seres que se importam. Então, meu coração se abriu e recebeu uma energia muito amorosa que nunca tinha sentido antes, adormeci logo em seguida, acordando aqui. Eu acordei dentro de uma flor de lótus, que parecia ser uma cama fofa, e Sitara me pegou em seus braços, como uma mãe amorosa pega uma criança pequena... Depois, ela me explicou que pude vir para cá por causa da compaixão desses seres que vi naquele momento de transição. O xamã foi o catalizador de toda aquela energia e, por causa dela, muitos seres da floresta que havia sido queimada puderam renascer aqui em Bafalândia. 

_ E quando vocês renascem aqui podem se curar, não é? 

_ Sim, quando é preciso se curar. Outros renascem aqui por renascer e outros por que já renasceram aqui, voltaram para Terra com uma missão e depois que morreram, retornaram para cá de novo. 

_ Como assim, com uma missão? 

_ Você sabe. 

_ Não, não sei não! 

_ Sim, sabe sim, só não sabe que sabe. 

_ Você então pode me explicar como eu sei? – Ana riu. 

_ Sabe aquelas histórias que circulam em seu mundo de animais que ajudam humanos e outros animais? 

_ Ah, sim! E todos eles são de Bafalândia? 

_ Não, há outros santuários de animais e protetores da natureza, que estão acoplados a outras realidades. Vai depender do nível de consciência de cada um deles. Bafalândia é o único lugar que eu sei que foi manifesto só para os seres que foram animais ou protetores na Terra, não há seres que foram humanos morando aqui. 

_Ahh! Hummm! Que interessante! E você se sente feliz aqui? 

_ Muito!! Vou ficar totalmente feliz quando conseguir perdoar totalmente. Sitara me disse que será em breve. Que o amor que eu sinto aqui e tem me curado será canalizado por uma flor trazendo mais cura e reparação. Tenho procurado essa flor por toda Bafalândia, mas ainda não a encontrei. 

_ E depois, você pode descer para Terra com uma missão? 

_ Quem sabe? Mas antes tenho que transmutar minha energia. Eu ainda vejo as coisas de uma maneira muito rígida. Para descer com uma missão, você precisa perceber algo. 

_ O quê? 

_ A natureza das coisas. 

_ Como assim? 

_ Não posso lhe dizer. Você precisa perceber por você mesma. 

_ Tudo bem. Por hoje já tive muita informação – riu Ana. Como posso lhe chamar? 

_ Lush. 

_ Como assim Lush. Como se soletra? 

_ L-U-S-H. 

_ Não é o nome de uma marca de perfumes? 

_ Isso mesmo, um perfume. 

_ Como assim?!! – perguntou Ana rindo muito. 

_ Sitara me deu esse nome. Acho que ela queria que eu me sentisse especial apesar da minha aparência. 

_ Gostei. Lush... Que você possa ser como um perfume bem caro, mas que é acessível a todos que quiserem sentir sua fragrância! 

Ana falou de maneira inesperada e inspirada com uma sensação de profunda compaixão e amor por aquele pequeno ser da floresta. Lush se emocionou se sentindo abençoado e livre, ao mesmo tempo em que percebeu surgir a imagem de uma flor de lótus no coração de Ana, fluindo muita energia de amor. Então, de maneira súbita, Lush viu sua pele queimada se reparar completamente e de suas pequenas mãos surgir um cristal azul, todo lapidado, no formato de um cone com duas pontas, cujo comprimento era de uns cinco centímetros e a largura, de um lápis. 

_ Ana, você é a flor que eu procurava!! Olhe, estou curado e recuperei meus poderes!! 

Ana ainda estava em estado de êxtase, pois aquela energia subida saindo de seu coração a pegou de forma inesperada, uma energia de amor que percorreu todo seu corpo e parecia entrar em cada célula. Lush estendeu suas mãos entregando o cristal para Ana. 

_ Tome esse cristal para você, é um pressente, guarde-o em quanto estiver aqui, pois algo me diz que haverá o momento de você utilizá-lo. 

Junto com o cristal, Lush fez surgir um saquinho de algodão cru com o desenho bordado de uma árvore que tinha um cordão para Ana pendurar em seu pescoço como se fosse um colar. Ana estava ainda um pouco quieta sentindo tudo conscientemente, enquanto percebia sua mente ainda negar toda aquela experiência, ao mesmo tempo em que se rendia. Nesse momento, sentiu a presença de Sitara, olhou para Lush, com muita alegria por receber dele aquele presente. 

_ Lush, acho que essa flor é Sitara em mim!! Ela me usou por algum motivo. Tenho muitos defeitos, foi Sitara, ela que fez isso para mim e para você. Mas muito obrigada pelo presente! 

_ Com certeza ela fez isso, Ana, pois tudo aqui é ela, é a energia dela. Contudo, essa energia não está separada da gente. Nós somos essa energia, só nos esquecemos disso por causa de nossa mente rígida que vê tudo e todos de maneira separada. Se ela fez surgir essa experiência para nós dois, era porque eu precisava receber essa energia amorosa de uma humana, e você precisava perceber isso em si mesma. 

Ana sorriu com profunda gratidão e aproveitou para pegar Lush de surpresa lhe dando um beijo. Lush tocou seu rosto fazendo um carinho e desapareceu entre as mãos de Ana, que começou a chorar chamando por Sitara. Em menos de um minuto, Sitara Express chegou. 

_ Ah! Mas nem mesmo começou, já está me chamando? 

Ana correu e a abraçou. 

_ Eu encontrei Lush. 

_ Ahh Lush encontrou você! 

_ A gente se encontrou – Ana riu chorando. 

_ E... 

_ Me sinto tão abençoada por ele ter me dado um presente... E ao mesmo tempo feliz de ter sido a flor que ele precisava encontrar... 

_ Ter sido não Ana, você é essa flor. 

_ Isso ainda é muito novo para mim Sitara. 

_ É só uma questão de lembrança. Então, relaxe, ok?!! 

_ Está bem. Sitara, eu não tive coragem de contar para Lush, mas minha família tem terras e cortou muitas árvores desmatando a floresta da região. Não me lembro do motivo. Quando meu avô morreu, minha tia ficou com as terras, já que minha mãe preferiu os imóveis na cidade. 

_ Ana, Lush lhe deu um presente porque você o abençoou com compaixão e amor quando desejou que ele fosse uma fragrância acessível a todos. As aspirações são como mágicas sutis. Como geralmente os protetores e guardiões da natureza guardam tesouros, ele lhe agraciou com um cristal azul, um dos símbolos de Bafalândia. Você assim reparou algo da sua ancestralidade e ele, sua dor. 

_ Ahh. Nossaaa!! Que incrível! 

_ Mas isso também só foi possível por causa de sua tia que tem reparado, nos últimos anos, a terra desmatada que herdou. Veja essas imagens do lugar. 

Ana viu Sitara juntar os dedos polegar e indicador da mão direita e, como se estivesse pinçando uma tela para aumentar a imagem, fez surgir duas imagens em pleno ar de um lugar, mostrando como ele era antes e como estava agora. 


_ Como assim?!! Minha tia fez isso tudo? Caracas! Sinto tanta falta dela! Da última vez que a vi tinha oito anos. 

Ana sentiu um misto de saudade e ternura vindo da imagem de sua tia, ao mesmo tempo em que sentiu raiva ao se lembrar de que sua mãe a privou do contato com ela. Se vendo nesse paradoxo, Ana começou a chorar. 

_ Está tudo bem, Ana! As coisas estão mudando em sua família enquanto você está aqui. Você terá algumas surpresas quando acordar. 

_ Está bem. É que eu não queria sentir raiva da minha mãe. Mas é inevitável ainda. 

_ Mas sentir essa raiva faz parte da cura que você está vivendo aqui. Ok? 

_ Ok. Sitara, posso parar por hoje? 

_ Sim, querida, pode parar essa tarefa em particular, mas não vai ficar à toa. 

_Não pensei em ficar à toa!! 

_ Humm, sei. Vamos fazer assim, vá até sua tenda, coma alguma coisa, pois as Irmãs Terra preparam algo, mesmo eu dizendo que não era preciso – Sitara deu uma piscadinha para Ana – descanse um pouco e depois daqui a duas horas me encontre no campo de flores daqui da Floresta Sul. 

_ Ahh, tá bem! Mas como eu vou saber que se passaram duas horas? Não tenho relógio aqui e o tempo parece não ser tempo em Bafalândia. 

_ Você vai saber. Não se preocupe. 

_ Tá bem. 

Sitara desapareceu entre as árvores da floresta, enquanto Ana se dirigiu para sua tenda. 

Continua...




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Fontes:

(1) Sobre o Bindi (maquiagem indiana): https://pt.wikipedia.org/wiki/Bindi_(maquiagem_indiana)


(3) A foto é real da Fazenda Bulcão, antes (2001), e depois de ser transformada em RPPN e passar por reflorestamento com plantas nativas da Mata Atlântica (2019).  Na história de Bafalândia, essa foto foi usada apenas como inspiração, já que os personagens da história são fictícios. E também como uma forma de homenagear os criadores desse projeto lindo, o casal Sebastião Salgado e Lélia Wanick.