Episódio 3: Ana, o Ratinho e o Jedi


Na manhã seguinte...

Ana acordou em sua tenda. Ela acordou ali quieta, num estado de poucos pensamentos. Não estava sentindo nenhuma dor, mas tinha a sensação de ter sido desamassada, ao mesmo tempo em que a sensação de vida e morte estava presente como se pudesse quase tocá-la. Por muitos momentos durante sua adolescência a morte parecia ficar na espreita, convidando-a para uma dança. Agora que teve a sensação de quase morte como mosquito, a vida começava a pulsar de uma maneira diferente dentro dela. Mas tudo eram sensações. Por mais que tentasse pensar e elaborar, sua mente voltava para um estado de pausa.

_ Solta!

Ana saiu de seu estado e viu Flor do Centro.

_ É uma sensação estranhamente familiar.

_ Sim, mas solta, para não correr o risco de entrar numa letargia. Vamos comer algo e beber água?

_ Não estou com fome! 

_ Mas coma mesmo assim, por favor!

Ana concordou, comeu algumas frutas e depois bebeu bastante água. Depois agradeceu a Flor do Centro que a ficou observando sair da tenda sem nem mesmo perceber que seu vestido tinha mudado de cor: agora ele era branco com flores amarelas e azuis.

Ana se dirigiu para um banco de pedra rodeado de flores e de uma pequena árvore que fazia sombra para ela. Sentou-se ali e ali ficou a manhã inteira, não percebendo que apesar do sol se mover, a árvore continuava a lhe dar sombra. As borboletas pousavam em seu cabelo e os pássaros cantavam bem perto dela como se quisessem se comunicar. E Ana continuava ali sentada olhando para o nada.

De repente algo a tirou de seu estado de letargia. Um rato passou correndo e voltou parando em sua frente, olhando-a bem nos olhos. Logo Ana ficou totalmente alerta e atenta. O rato estava com as duas patinhas dianteiras levantadas e olhava para ela como se a observasse atentamente. Ele emitiu alguns sons e saiu serelepe correndo em direção à Floresta Norte.

_ Volte aqui!!!

Rapidamente Ana se levantou e começou a correr atrás dele, mas terminou perdendo o seu rastro quando entrou na floresta. Percebendo que estava na floresta que ficava atrás de sua tenda, Ana começou a andar sem pressa, sentindo o cheiro peculiar dessa área que não tinha ainda explorado. Alguns pequenos animais, como esquilos e pássaros, vinham quase ao seu encontro para observá-la passar. Ela estava se sentindo mais presente, num estado de quase comunhão com a natureza.

Depois de um tempo caminhando pela floresta, Ana avistou uma tenda, ficando meio confusa sobre onde estava. Mas chegando lá, percebeu que era uma tenda diferente, com cores diferentes e decoração diferente. Havia no ar um cheiro de flores cítricas e frutas. Foi então que percebeu que perto do tapete tinha uma bandeja com frutas cortadas e começou a rir. “Será que são para mim?!”, se perguntou ao pegar sem nenhuma hesitação um pedaço de manga para comer, que, aliás, estava com um gosto peculiar por causa das raspas de limão.

Enquanto estava ali compenetrada comendo sua manga, degustando o sabor, o mesmo ratinho de maneira sorrateira se aproximou, pegou um pedaço de fruta e saiu serelepe correndo. Ana, sem mais demora, saiu correndo atrás dele. “Acho que ele quer brincar comigo!”, pensou enquanto corria como uma criança feliz ao ver um arco-íris. Dessa vez conseguiu acompanhar o ratinho, pois ele corria e parava para ver se ela o estava seguindo.

   

De repente Ana saiu da área da floresta e se viu diante de um campo de flores do campo, com cores variadas e inusitadas, que imitavam as borboletas volitantes que dançavam com o vento. Um pouco ao longe, ela avistou uma árvore frondosa, que ficava bem no meio do campo de flores, se sobressaindo. Ela se dirigiu até lá e percebeu que o ratinho estava indo na mesma direção, pois as flores se movimentavam à medida que ele passava. 

Quando Ana se aproximou mais da árvore, viu que debaixo dela havia uma pessoa. “Será que é Sitara? Só pode ser ela, pois não pode ter dois humanos em Bafalândia!”, se lembrou enquanto caminhava. Contudo, à medida que se aproximava, Ana foi percebendo que a pessoa debaixo da árvore não era Sitara, mas sim um homem seminu. Ele estava sentado em posição de lótus meditando. Por um instante Ana hesitou... Mas logo o ratinho voltou tocando em seus pés, fazendo um barulho como se quisesse falar.

_ É para eu continuar, amiguinho?! – Ana olhou para o ratinho, enquanto este continuava e emitir seus sons, fazendo com que ela entendesse sua resposta como uma afirmação.

_ Então, vamos lá amigo! – E continuou a caminhar em direção da árvore.

Quando Ana estava cerca de uns dois metros do iogue, começou a caminhar bem devagar para não fazer barulho. Chegando bem perto dele, ela parou observando-o: ele era magro, moreno como Sitara, com cabelos longos num coque no topo da cabeça, estava vestido com um tipo de calção cor de algodão e um manto também na mesma cor na transversal de seu corpo. O ratinho estava do lado de Ana, rente aos seus pés, e ora olhava para o homem, ora olhava para ela. Vendo que Ana estava sem saber o que fazer, o ratinho se dirigiu para um lugar ao lado do iogue, mais ou mesmo a um braço de distância (um braço de humano, pra deixar bem claro).

Ana, então, entendeu a dica e se sentou no local determinado. Não sabia como meditar, então começou a fazer como achava que devia ser. Simplesmente ficou em silêncio observando sua respiração, tentando imitar o estado em que acordou pela manhã. Enquanto tentava repetir aquele estado, lutando com seus pensamentos, ouviu o homem dizer:

_ Não produza nenhum estado, somente relaxe o seu corpo, a sua mente e observe sua respiração.

De início, Ana se assustou, mas seguiu as instruções que o iogue lhe deu sem questionar, pois ele se voltou para o seu estado natural de meditação. Depois de uns quinze minutos tentando meditar, Ana começou a ficar sonolenta e lutando contra o sono terminou adormecendo por alguns instantes. Quando voltou ao estado presente, o iogue já não estava mais lá, somente o ratinho que a observava.

_ Você nem para me avisar, hein amigo rato?!! Será que ele era um Jedi? 

Ana começou a rir sem parar, enquanto o ratinho continuava a observá-la. E rindo ali debaixo da árvore, ela terminou se deitando no chão e adormecendo por algum tempo acolhida pela árvore...

_ Menina Ana?!! O sol já está se pondo, vamos voltar para sua tenda?

Ana acordou meio zonza sentindo uma mãozinha tocar o seu rosto.

_ Flor do Norte, eu dormi.

_ Hum.

_ Eu estava aqui com um homem e um ratinho, ele estava meditando, daí eu sentei para meditar também. Ele sumiu depois de um tempo. Ahh e o ratinho também pelo visto – Lamentou Ana percebendo que seu novo amiguinho não estava mais lá.

_ Está bem! Ele deve ter ido roubar um queijinho.

_ Pô veio!! Você não acredita em mim? Tinha um homem aqui sim e um ratinho também.

_ Está bem Ana. Mas temos que ir.

Ana saiu caminhando tão chateada entre as flores que não percebeu o quão lindo o por do sol estava. Entrando na floresta, seguiu em direção à tenda norte de Sitara, quando foi interpelada.

_ Para onde você vai mocinha?!

_ Este é o caminho que eu sei. 

_ Mas podemos ir por aqui, é mais rápido. Me siga, por favor!

Ana então seguiu Flor do Norte ainda aborrecida.

_ Como você anda depressa!! Como é possível? Você é tão pequena!

Flor do Norte não deu bola para Ana e continuou a caminhar saltitante fazendo com que ela apreçasse seus passos.

_ Pronto! Chegamos menina Ana.

Ana se viu um pouco atrás de sua tenda que já estava iluminada.

_ Estou faminta!

_ Que bom! Hoje você terá uma surpresa na sua janta.

_ Uma fruta diferente? Talvez algo que nunca comi? Hoje comi manga com raspa de limão na tenda nova que descobri. Daí o ratinho apareceu de novo e saí correndo atrás dele...

Ana continuou andando em direção à tenda relatando os fatos, não percebendo que Flor do Norte tinha voltado para a floresta. Chegando lá, ela sentiu um cheiro diferente. Começou a procurar e avistou uma bandeja com um copo de água, uma pera e uma tigela de sopa. “Sopa!!! Não acredito!! Sopa. Humm. Que cheiro bom!! Me lembra a sopa da Sôsô”. Ana se sentou no chão e começou a beber a sopa da tigela mesmo, pois adorava fazer isso, mas era constantemente recriminada pela sua mãe. “Tem o mesmo gosto da sopa da Sôsô! E eu reclamava tanto da sopa dela e era tão boa!! Como sou uma idiota. Como ela me aguentava?!” Pensativa e agitada, Ana terminou de beber sua sopa, comeu a pera (que, aliás, estava muito saborosa com um gosto especial de pera) e bebeu da água se sentindo muito feliz.

_ Gostou da surpresa? – disse Flor do Centro.

_ Florzinha, eu estava com saudades de você! Eu tive uma aventura hoje, contei para Flor do Norte, mas ela não acreditou em mim. E porque eu estou comendo sopa, não era para comer só frutas? 

_ A gente fez uma adaptação aqui, ficamos preocupadas com seu estado letárgico de logo de manhã. Então, pensamos que algo salgado iria ser melhor para aterrar sua mente.

_ Obrigada!! Muito gentil da parte de vocês. Onde está Sitara?

_ Com o sr. Rodrigues nas montanhas.

_ Ah! Ele ainda está aqui? Mas pode? Aliás, eu vi um homem seminu meditando numa árvore depois da floresta norte, no campo de flores, debaixo de uma árvore. Fiquei pensando que não podia ter dois humanos em Bafalândia. Então, como pode ter três? Eu, sr. Rodrigues e o Jedi?

_ Ana, não tem nenhum Jedi aqui. E o sr. Rodrigues está em outra parte de Bafalândia, não há perigo de vocês se encontrarem.

_ Eu vi o Jedi sim e ele estava meditando e eu meditei também e foi o ratinho que me levou até ele. E por que eu e o sr. Rodrigues não podemos nos encontrar?

_ Para não haver interferência em suas vidas humanas. Quanto ao ratinho, ele era marronzinho desse tamanho?

_ Era... tão fofo! Ele que me tirou do estado de letargia. Daí eu corri atrás dele e nos perdemos. Terminei achando uma tenda. A Sitara tem uma tenda em cada direção da floresta? Chique né? E daí depois, o ratinho apareceu de novo e me levou até o campo de flores, onde vi a árvore e o Jedi meditando.

_ Não é um Jedi, como nos filmes que vocês inventam no seu mundo Ana.

_ Eu sei, mas não tinha outro nome para chama-lo e ele desapareceu, então deve ter poderes como um Jedi.

_ Ok. Vou levar seu relato para Sitara. Mas não temos aqui em Bafalândia nenhum Jedi.

_ Mas e o ratinho?

_ Esse ratinho em especial não é daqui. Mas vez ou outra ele gosta de interferir em nosso trabalho. Muito danado!

_ De onde ele vem?

_ De outro reino. Vá dormir querida!! Amanhã você conversa com Sitara.

_ Está bem!! Obrigada Flor do Centro!

_ Boa noite!!!

_ Ahhh! – gritou Ana.

_ O que foi menina?! 

_ Meu vestido mudou de cor. Posso ver as estrelas?

_ Pode. Acho que será bom. Você está muito agitada e falando muitas coisas ao mesmo tempo. Deite-se no gramado e só contemple, tá bem? Vou ver se uma das irmãs fica com você.

Flor do Centro saiu e Ana foi até o jardim se deitar para olhar as estrelas. Como só havia a luz da tenda e da lua que, aliás, estava cheia, o céu se exibia de uma maneira que nunca tinha visto antes. Flor do Leste se aproximou e se deitou junto dela observando também o céu estrelado. Depois de algum tempo, Ana adormeceu e o fim daquele dia chegou dando início a um novo alvorecer.

Continua...



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Nota: